O texto desta quarta do blog do CPPR é especial por dois motivos. O primeiro é o fato de ele falar sobre um assunto que a equipe técnica do Centro estima: o maquinário presente na coleção museológica e que se refere à indústria gráfica – tão importante para as primeiras gerações de (i)migrantes que aportaram em São Paulo. O segundo é o fato de que esse texto, devido a sua especialidade, contou com a colaboração do convidado Fabio Mariano Cruz Pereira, designer gráfico cuja pesquisa de mestrado foi realizada justamente sobre aspectos relacionados à tipografia.
Inicialmente, é válido reforçar que as necessidades de comunicação e o registro de informações sempre estiveram presentes na história humana. O surgimento da imprensa na Europa do século XV, com a prensa de Gutenberg, reflete, em grande medida, esta demanda. O desejo de se gravar uma idéia, seja por um texto impresso, uma gravura em madeira, em pedra, um documento manuscrito, ou mesmo um disco rígido de computador, remonta a essa nossa antiga relação com a memória.
O século XIX vem testemunhar a grande virada no processo de produção editorial desde o século XV. Fatores como o advento da indústria e o aumento populacional, invocando um mundo cada vez mais complexo, tornaram inevitável a necessidade de novas tecnologias de impressão. Outro fato, consequente deste primeiro, foi o crescimento da demanda de livros e jornais, fazendo surgir, assim, uma proeminente concorrência editorial – que por sua vez também exigir maior rapidez nos processos de impressão.
Nesse período, surgiram inúmeras tentativas de se produzir um sistema capaz de automatizar a composição tipográfica. A automatização da composição das frases viria a encerrar o cenário lento e muito inclinado ao erro humano, uma vez que os tipos eram organizados um a um, de ponta-cabeça e em caracteres espelhados. Desse modo, o trabalho como um todo acabou simplificando – para não usar o verbo eliminar – o trabalho dos compositores, profissionais que desde o século XV eram responsáveis por manusear os tipos móveis na composição de frases dispostas em linhas de texto.
Dentro dessa indústria gráfica emergente, voltada ao aumento da produtividade, surgiu a invenção de Ottmar Mergenthaler, mecânico e imigrante alemão nos Estados Unidos, residente em Baltimore.
A máquina revolucionária de Mergenthaler permitia a confecção de uma linha de tipos, fundida em chumbo a partir de pequenas matrizes em baixo-relevo acionadas por teclado. O sistema reutilizava sua própria matéria-prima, pois as linhas usadas na impressão podiam ser novamente fundidas criando-se novas linhas de texto. O invento reunia num só maquinário o trabalho dos tipógrafos compositores e das fundidoras de tipos, tudo supervisionado por um único operador.
A invenção foi demonstrada nas dependências do periódico New York Tribune. Um de seus editores, Whitelaw Reid, reconhecendo na engenhoca um enorme potencial econômico, exclamou entusiasmado: “Uma linha de tipos!”. A expressão “linotype (linotipo)” terminou nomeando a invenção.
A linotipo permitiu a disseminação, como jamais vista até aquele momento, de uma imensa produção de revistas, semanários, periódicos, jornais e até livros, figurando nos primórdios do que hoje conhecemos por era da comunicação em massa.
Porém, a linotipo apresentava, para muitos – especialmente aos olhos treinados e exigentes dos tipógrafos e leitores assíduos – problemas visuais de composição. Por se tratar de um sistema onde a montagem das letras era feita por processo mecânico, sem a interferência humana, as linhas eram justificadas com espaços distribuídos igualmente entre os caracteres, gerando certo desconforto na leitura. Esse foi um dos motivos que ajudou a tipografia antiga (por composição manual) a permanecer em atividade para impressos que exigiam maiores cuidados. As linotipos foram reservadas a impressos de caráter mais efêmero e robusto, de grande circulação, especialmente os jornais.
O sucesso da linotipo influenciou, entre outras coisas, o surgimento de diversas novas empresas que apresentaram novas máquinas a partir do mesmo sistema de composição de linhas, a exemplo da Intertype e Ludlow. Criou-se também a Monotype, que permitia criar cada tipo individualmente, tornando-se uma alternativa mais viável para pequenas gráficas.
Na coleção museológica do Museu da Imigração, há três máquinas com o mesmo princípio de funcionamento da linotipo: uma da marca Intertype, outra da marca Linotype e uma Zimmerman. Todas são associadas à participação de imigrantes no parque gráfico existente em São Paulo, focado principalmente na impressão de periódicos. Inicialmente, os imigrantes que logo se envolveram com a produção de impressos representaram uma força de trabalho especializada nas oficinas existentes. Porém, com o aumento das levas de imigrantes e a constituição de verdadeiras comunidades em terras brasileiras, tais imigrantes também passaram a produzir jornais e outras publicações direcionadas para tais grupos, geralmente em língua estrangeira. Muitas dessas publicações existem até os dias atuais na cidade de São Paulo, o que reforça a importância da imprensa imigrante.
Porém, se a linotipo era capaz de substituir o trabalho de sete ou oito tipógrafos, reduzindo o custo das grandes editoras, por outro lado, sua existência desencadeou diversas questões trabalhistas complexas. Milhares de reivindicações grevistas estabelecidas em torno das indústrias gráficas ameaçaram o incipiente lucro das grandes empresas de comunicação. Além disso, surgiram muitos problemas por contaminação de chumbo (metal pesado usado para fundir as linhas de tipos) e auditivos por conta dos ruídos gerados nas oficinas de grandes jornais que concentravam muitas máquinas de linotipo numa mesma área.
A linotipo marcou uma fase importante na história da imprensa. Sua importância vai além da inovação tecnológica e se enquadra num cenário marcado pela imensa difusão do conhecimento por meio da mídia impressa. Mesmo com todas as questões trabalhistas mencionadas acima, gerou uma infinidade de empregos diretos e indiretos e foi lentamente desbancada pelo próximo grande passo da produção gráfica: a impressão a frio, que eliminava o uso do chumbo derretido, e passou a dominar a indústria a partir da década de 1960, abrindo caminho para a futura tipografia digital, dominante nos dias de hoje.
Referências bibliográficas
FONSECA, Joaquim da. Tipografia & Design Gráfico: design e produção gráfica de impressos e livros. Porto Alegre: Bookman, 2008.
GAUDÊNCIO JUNIOR, Norberto. A herança escultórica da tipografia. São Paulo: Edições Rosari, 2004.
MEGGS, Philip B; PURVIS, Alston W. The history of graphic design. New York: Van Nostrand Reinhold, 1991.
OLIVEIRA, Octavio G. de; CAVALCANTI, Tito. O problema do chumbo numa indústria gráfica. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Nº 48. Rio de Janeiro, 1950.
RIBEIRO, Milton. Planejamento Visual Gráfico. Brasília: LGE Editoras, 2007.
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